domingo, 22 de maio de 2011

destino

DESTINO

Pastor de nuvens,fui posto a serviço
por uma campina tão desamparada
que não principia nem também termina,
e aonde nunca é noite e nunca madruga.

(pastores da terra,vós tendes sossego,
quem olhais para o sol e encontrais direção.
Sabeis quando é tarde,sabeis quando é cedo.
Eu,não.)

Pastor de nuvens,por muito que espere,
não há quem me explique meu vário rebanho.
Perdida atrás dele na planicie aérea,
não sei se o conduzo,não sei se o acompanho.

(Patores da terra,que saltais abismos,
nunca enredereis a minha condição.
Pensais que há firmezas,pensais que há limites.
Eu,não.)

Pastor de nuvens,cada luz colore
meu canto e meu gado de tintas diversas.
Por todos os lados o vento revolve
os velos instáveis das reses dispersas.

(Pastores da terra,de certeiros olhos,
como é tão serena a vossa ocupação!
Tendes sempre o indício da sambra que foge...
Eu,não.)

Pastor de nuvens,não paro nem durmo
neste móvel prado,sem noite e sem dia.
Estrelas e luas quem jorram,deslumbram
o gado inconstante que se me estravia.

(Pastores da terra,debaixo das folhas
que entornam frescura num plácido chão,
sabeis onde pousam termuras e sonos.
Eu,não.)

Pastor de nuvens,esqueceu-me o rosto
do dono das reses,do dono do prado.
E ás vezes parece que dizem meu nome,
que me andam seguindo,não sei sei por que lado.

(Pastores da terra,que vedes pessoas
sem serem apenas de imaginação,
podeis encontrar-vos,falar tanta coisa!
Eu,não.)

Pastor de nuvens,com a fac descrta,
sigo atrás de formas com feitios falsos,
queimando vigílias na planicie eterna
que gira debaixo dos meus pés descalço.

(Pastores da terra,tereis um salário,
e andará por bailes vosso coração.
Dormireis um dia como pedras suaves.
Eu,não)




















motivo

MOTIVO

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou de edifico,
se permaneço ou me desfaço
 -não sei,não sei.Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto.E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
-mais nada.